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domingo, 27 de setembro de 2009

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – ESTADOS, PERSONALIDADE E CAPACIDADE INTERNACIONAL

O presente resumo foi extraído do conteúdo das aulas de Direito Internacional Público, ministrada aos alunos do 8º semestre do curso de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz pelo professor MS. Clodoaldo Silva da Anunciação.


Conforme demonstrado no primeiro Resumo, nas primeiras aulas foi feita uma análise propedêutica da disciplina, no qual foram estudos: conceito de sociedade internacional, teorias sobre a fundamentação do DIP e suas fontes. Dessa forma, visto as noções introdutórias, passou-se ao estudo das Pessoas Internacionais, perpassado pelos conceitos de Personalidade e Capacidade Internacional.

Tem-se por personalidade internacional a potencialidade do ente ser sujeito de direitos e obrigações no plano Internacional, noção simétrica da personalidade interna dos indivíduos. Nesse sentido, os dotados de personalidade são os entes atuantes no cenário internacional.

São as entidades dotadas de personalidade internacional: os Estados, principais atores do DI, motivo pelo qual este era chamado de Direito dos Estados; as Organizações Internacionais, apesar terem sido criadas recentemente já é consagrada a titularidade de direitos e obrigações por esses entes; e os indivíduos, aos quais foi reconhecida a titularidade recentemente com os movimentos humanistas. Convém observar que anteriormente não era reconhecido aos indivíduos personalidade internacional, apenas com a afirmação dos Direitos Humanos e a consagração da Dignidade da pessoa humana que se passou a reconhecer a esses direitos e obrigações na seara internacional.

Por capacidade internacional entende-se pela capacidade do ente criar normas de DI, ou seja, formular o sistema normativo internacional. Ressalte-se que o homem não possui capacidade internacional, não sendo concedido a esse o poder de criar normas de DI: celebrar tratados, etc. Nesse esteio, conclui-se que os três entes possuem direitos e obrigações no DI, mas apenas os Estados e OI’s podem criar as normas.

Passemos agora ao estudo do ente considerado o mais importante do DI: o Estado. Os elementos constitutivos desse ente, conforme o entendimento da Convenção Interamericana: território, povo, governo e soberania. O território, um dos elementos mais importantes do Estado por constituir na base física, sem o qual o mesmo não existiria. Ressalte-se que a Palestina é uma exceção a essa exigência por questões de política internacional. O povo é o elemento humano do Estado; entretanto, pode haver no mesmo Estado mais de um povo, e.g. nações africanas. A ligação que se dá entre o indivíduo e o Estado é chamada de nacionalidade, podendo haver casos de pessoas sem esse vínculo (apátridas) e outros com mais de um vínculo (polipátridas). O Governo é o poder que tem autoridade dentro do Estado, nos limites de seu território, com vistas a efetivação do bem comum. Não se pode conceber um Estado sem liderança, democrático ou autocrático deve haver um governo, mesmo nos casos de transições e questionamentos de legitimidade, e.g. Honduras. Por último, a Soberania é o elemento que faz com que o Estado não reconheça nenhum poder acima dele, nada que o subjugue; é corolário da igualdade dos Estados.

Tema de igual relevância é o reconhecimento do Estado, caracterizado pelo ato livre e unilateral de outros Estados declaram a aceitação da existência, em um território determinado. São requisitos para que um Estado seja reconhecido: ter um governo independente; estar sob um território delimitado; e ter um governo efetivo sobre seu território. Observa-se que apesar do caráter aberto os novos Estados precisam ser reconhecidos para atuarem no cenário, pelo menos dos Estados mais influentes; e.g. Kosovo. O fenômeno do reconhecimento gera alguns efeitos: o novo Estado passa a existir como ente do DI, passando a ter direitos e deveres no cenário internacional; fica protegido pelas normas do DI; e a ter condições de ter relações diplomáticas com os demais Estados.

Outro ponto de estudo do DIP é a questão do reconhecimento do governo, fenômeno que surge com uma ruptura da ordem constitucional do poder no Estado (e.g. golpe). Existem alguns requisitos para o reconhecimento de determinado governo. O primeiro é a efetividade, caracterizada pelo controle da máquina administrativa e do território do país. Além disso, o governo precisa cumprir as obrigações internacionais (e.g. pagar as dívidas do Estado no cenário internacional); sendo considerado o principal requisito. O terceiro é o novo governo deve surgir conforme o DI. Esse último requisito é exigido pelo fato de o DI não tolerar golpes de estado, mas se aceita formas não-constitucionais de assunção do poder se a mesma for operada pelos próprios cidadãos. Outro requisito é que o novo governo que toma o poder e entra no cenário internacional deve convocar eleições diretas e livres para suprir a ruptura do sistema constitucional.

O reconhecimento de um novo governo gera como efeitos: o estabelecimento de relações diplomáticas; o reconhecimento da imunidade de jurisdição; a capacidade para demandar em tribunal estrangeiro; admissão da validade das leis e dos atos do governo. O reconhecimento pode surgir das seguintes formas: expresso, quando vem através de notificação ou declaração oficial; ou tácito, quando o Estado apenas pratica atos incompatíveis com o não reconhecimento (caso de Honduras, em que os Estados apesar de questionarem a legitimidade do governo, mas não retiraram os Diplomatas). O reconhecimento pode ser também: individual, quando vier de um só país, como o caso dos EUA e o Kosovo; ou coletivo, reconhecimentos simultâneos de mais de dois países, e.g. um bloco econômico.

Foram desenvolvidas duas doutrinas sobre o reconhecimento de governos. A primeira é a de Carlos Tobar, ex-ministro das Relações Exteriores do Equador, segundo o qual o reconhecimento de um governo não poderia acontecer imediatamente, devendo aguardar a manifestação da população daquele Estado. Entretanto, argumenta-se que não é necessário a população reconhecer ou não, é suficiente haver um novo governo. Para a doutrina Estrada, se há uma ruptura do sistema tradicional de governo do país, não se deve esperar saber se houve apoio popular ou não; atos implícitos dirão se há o reconhecimento ou não, como manutenção dos diplomatas, não celebração de tratados, não acreditar os diplomatas que vem daquele Estado. Para essa doutrina, os posicionamentos dos outros Estados não devem interferir no processo de aceitação da população local. Atualmente deve-se fazer uma análise do caso concreto para saber qual a melhor para ser aplicada.

Outro ponto que merece destaque é que os Estados possuem Direitos Fundamentais (assim como os seres humanos), enquanto sujeitos internacionais e dotados de personalidade. A Soberania, a qual fora abordada nos requisitos, é também Direito Fundamental, representando o controle pleno do estado sobre seu território, suas riquezas e sua jurisdição. O segundo é o direito à Independência política, econômica e social. Outro direito fundamental é o da Igualdade Jurídica, liga-se com a idéia de soberania, mas observa-se que nem todos são iguais na prática. O direito fundamental à Defesa representa o poder do Estado tomar atitudes para defender sua integridade territorial e suas riquezas, podendo adotar medidas que normalmente não seriam aceitas (e.g. as limitações ao trânsito, à liberdade). A Autodeterminação é o direito que o Estado tem de administrar sem interferência de outros países nos seus problemas internos, sua economia e sua política. Atualmente destaca-se o caso de Honduras, em que Chavez está sendo acusado de incentivar a permanência do presidente de Honduras.

Os Direitos Fundamentais dos Estados sofrem algumas restrições, limitando o exercício pleno de algum dessas prerrogativas de Direito Internacional.

Como foi visto o exercício desse poder é inerente à soberania do Estado, entretanto há casos em que seu exercício é restringido, são as chamadas Imunidades de Jurisdição. A primeira é a Imunidade de Chefe de Estado e de Governo, a pessoa que ocupa esses cargos políticos não pode ser presa, julgada ou apenada fora do seu território (e.g. impasse na condenação do presidente do Sudão pelo TPI). Essa imunidade abrange as pessoas da família do Chefe, bem como a comitiva oficial que o acompanha. Atualmente se discute a possibilidade de entregar brasileiro nato para ser julgado pelo TPI, os que admitem argumentam que não é um Tribunal estrangeiro, mas um que o Brasil faz parte.

Segunda restrição ao exercício pleno da jurisdição é a Imunidade Diplomática, a qual abrange vários aspectos: a inviolabilidade, os imóveis e veículos dos membros da missão diplomática não podem ser violados; a imunidade de jurisdição civil e criminal, os diplomatas não podem ser partes em processos de conhecimento ou execução; e a isenção fiscal, os membros da missão diplomática não pagam tributos. É interessante diferenciar o Embaixador do Cônsul, enquanto aquele é o chefe da missão, cuida de assuntos do Estado e tem imunidade plena; aquele é responsável por assuntos comerciais e culturais, tendo imunidade apenas em suas funções. Outro ponto é que a imunidade não representa permissão para transgredir as leis do país, essas regras não valem para evitar um crime que está para ocorrer. Observa-se ainda que quem detém a imunidade é o Estado, podendo essa retirar do diplomata se desejar (e.g. diplomata Russo nos EUA).

A limitação à Direito Fundamentais pode ocorrer quando dois Estados ocupam o mesmo território, caso em que nenhum desses exercerá soberania plena, esse fenômeno é denominado Condomínio (e.g. as Ilhas Virgens). Outra forma de limitação da soberania é quando um Estado mediante acordo de arrendamento permite que outro estado ocupe parte desse território, como uma espécie de aluguel. Observa-se que o território arrendado seguirá normas próprias, a exemplo das Bases Militares Estadunidenses. Também se constituem limitações aos Direitos Fundamentais as servidões, nas quais um Estado cede a outro o direito de passagem sobre determinada parte do território.

Por derradeiro, há que abordar uma última forma de restrição aos Direitos Fundamentais dos Estados, sobretudo à soberania: a Intervenção. Vejamos a definição proposta pelo célebre Celso de Melo:

a intervenção ocorre quando um Estado ou grupo de Estados interfere para impor a sua vontade, nos assuntos internos ou externos de um outro Estado soberano ou independente, com o qual existem relações pacíficas, e seu o seu consentimento, com a finalidade de manter ou alterar o Estado de coisas (in Direito Internacional Privado, p. 492).

Nesse sentido, é a ocupação de força militar estrangeira para realização de determinado fim, e.g. manter ou alterar regime ditatorial.

Ponto controvertido na questão é sobre a legalidade da intervenção. Enquanto alguns defendem a total irregularidade desse ato, outros, como o Brasil, acreditam na legalidade da intervenção quando houver motivos legítimos e com a permissão da ONU (e.g. Exército Brasileiro no Haiti).

Quanto a forma, a intervenção pode ser exercida: individualmente, apenas um pais intervém, com a chancela ou não da ONU (normalmente sem); ou coletivamente, intervenção promovida por vários países, são as Forças de Paz da ONU.

Um argumento muito utilizado para um Estado tentasse legitimar sua entrada em outro, para defesa de interesses próprios, era o da Intervenção Humanitária. Hoje tal intervenção é considerada pela comunidade internacional como ilegítima e falaciosa, tendo perdido aceitação pelo DI, e com conteúdo verdadeiramente político e econômico.

Outra intervenção não admitida pelo Direito internacional é quando o há no país uma guerra civil; tendo em vista que, pelo princípio da autodeterminação dos povos, os próprios nacionais devem resolver seus conflitos externos. Uma exceção a essa intervenção é quando há uma guerra civil entre um grupo armado e outro desarmado, como em casos de “limpeza étnica”, onde não há verdadeiramente uma guerra e sim um massacre (e.g. o Kosovo, a Bósnia e a Sérvia).

Entende-se por Contra Intervenção aquela que é feita por países aliados em resposta a uma intervenção ilegítima em determinado Estado, com o objetivo de se inibir essa conduta ilegal. Tal intervenção é fundamentada no próprio direito de Defesa do Estado, apesar de essa defesa está sendo exercida através de outro Estado.

Por fim, o Direito de Ingerência representa a possibilidade de um país ou determinados grupos, como a Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, de intervir em um país, sem necessitar da autorização da ONU ou do governo local. Tal ingerência ocorre em casos de catástrofes (e.g. tsunami na Indonésia) ou em casos de conflitos internos, como em campos de refugiados, visando apenas diminuir os efeitos desastrosos na população civil sem interferir diretamente no Estado. O Direito de Ingerência se baseia nos Direitos Humanos e no princípio da solidariedade internacional.

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