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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O que é necessário para entender Direito Internacional. Parte II.

1.0 - INTRODUÇÃO

É sabido por todos que o conceito de personalidade está umbilicalmente ligado ao de pessoa. Como bem assevera o Prof. Carlos Roberto Gonçalves[i], é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. Nota-se que o conceito de personalidade está vinculado ao de pessoa, sendo que para alcançar tal status é condição sine qua non o nascimento com vida.

Ocorre que, por ficção jurídica, o direito reconheceu personalidade a certos entes morais, por exemplo, as pessoas jurídicas, leiam, Estados Soberanos. Desta forma, entende-se por que os entes que não nascem com vida possuem personalidade. No campo do Direito Internacional a personalidade é o pressuposto para a inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica internacional.



[i] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. 3ª ed. São Paulo, Saraiva: 2006. Pág.70.

Assim sendo, pode-se concluir que são dotados de personalidade jurídica na seara internacional os Estados, as Organizações internacionais e os homens. Contudo há divergência doutrinária. Para o Prof. Celso de Mello são estes os entes dotados de personalidade; todavia, para o Prof. Francisco Rezek, o indivíduo não possui personalidade jurídica, eis que o homem é mero destinatário da ordem jurídica. Acontece que a doutrina caminha no sentido de atribuir personalidade ao homem, sobretudo quando analisado as conquistas dos direitos humanos. Vale ressaltar que não ocorre o mesmo com a capacidade jurídica, pois a doutrina defende que não existe para o homem.

Analisando a premissa supra, nota-se, a meu ver, um sério equívoco que merece ser corrigido. Sabe-se, como já visto acima, que para a pessoa ter personalidade basta o nascimento com vida ou o reconhecimento do Direito (ficção jurídica). Viu-se, também, que para o indivíduo ter capacidade basta ter personalidade. Observa-se uma conseqüência lógica: para ter personalidade, basta vida ou reconhecimento; e para ter capacidade, basta a personalidade. Assim sendo, dispara-se a seguinte pergunta: por que o homem não possui capacidade se ele tem personalidade?(isto para os que defendem que o homem tem personalidade).

O melhor entendimento, na minha ótica, é que o homem possui capacidade de direito, mas não de exercício, afinal, são vários os tratados que atribuem direito ao homem. Percebe-se, contudo, que a doutrina não faz tal diferenciação, taxando a incapacidade ao homem (esta entendida como capacidade internacional de exercício), sem se preocupar com tal diferenciação, a qual reluz necessária para o entendimento do assunto.

Assim sendo o presente trabalho objetiva estudar cada um desses três entes, em sua individualidade, sendo que nesta segunda unidade estudamos o Estado, como adiante veremos.

2.0 - ESTADOS: NOÇÕES INICIAIS

Para que se possa identificar um Estado, diante da imensidão continental que possui o planeta terra, a ordem jurídica, em específico, a doutrina, tratou de enumerar quatro requisitos indispensáveis, são eles: Território, Povo, Governo e Soberania.

Território é a base física onde estão presentes as instalações do Governo, e onde este exercerá o seu poder soberano. Para Hans Kelsen extrai-se a dimensão do que seja um território a partir do alcance de validade da norma de um Estado. A dimensão pode resultar de uma decisão arbitral ou judiciária.

A noção de Povo advém da noção pessoal do Estado, pode ser que haja Estados com mais de um povo, ex.vg, a África, em que cada país colonizador fez os Estados africanos como bem entendeu, desconsiderando a existência de múltiplas nações dentro de um mesmo território.

Governo é o poder que autoridade possui sobre o seu território. Não se consegue um Estado sem um poder que mantenha a ordem, zele pelo bem comum, defenda as pessoas do Estado. Nesse esteio, nota-se que independentemente do regime, seja ele democrático ou autoritário, todo Estado precisa de um governo. Tem-se, atualmente, como exemplo Honduras, o qual possui todos os pressupostos de existência, porém mesmo em crise política, há um território, um povo e um governo, que, independente dos questionamentos, não perde a sua existência.

Soberania é, também, um dos atributos fundamentais do Estado que o faz titular de competências (limitadas), por que existe numa ordem jurídica internacional. É, em breve síntese, o elementos que faz com que o Estado não reconheça nenhum outro acima de si. Prevalece, portanto, o brocardo jurídico “onde Há igualdade, não há império”. São duas as soberanias, a externa e a interna. Vale ressaltar que não existe soberania em Estados federalizados, estes possuem autonomia, pois são subordinados ao Estado maior.

Há quem traga a nacionalidade como atributo do Estado. Esta é entendida como o vínculo jurídico entre o Estado e o seu indivíduo que o torna submisso a ordem jurídica deste.

Nota-se que a ordem jurídica traz esses quatro requisitos como essenciais para a constituição de um Estado, contudo há casos em que, mesmo sem possuir um deles, é reconhecido a condição de Estado, cito, a Palestina, a qual, por questões meramente políticas, evitando aumentar o número de conflitos naquela região, foi elevado a status de Estado. Conclui-se, portanto, que se trata de questão política, vazia, portanto, de conteúdo científico.

2.1 - RECONHECIMENTOS DE ESTADO E DE GOVERNO

A ordem jurídica internacional traça alguns requisitos indispensáveis para o reconhecimento de um Estado ou Governo, dos quais sucedem efeitos. O reconhecimento de um Estado é ato espontâneo pelo qual um ou mais Estados reconhecem a existência, em um território assentado, com um conjunto de pessoas politicamente organizado, disjunto de qualquer outro Estado existente e capaz de observar as prescrições do Direito Internacional.

São requisitos para que um Estado seja reconhecido: possuir um governo independente; Estar sob um território delimitado; Efetividade do governo sobre o território. Isto resulta das características da Sociedade Internacional estudada no primeiro crédito, tais como aberta e universal. Vale ressaltar que o reconhecimento de um Estado não precisa ser unânime dos membros da Sociedade Internacional, por exemplo, Kosovo que, malgrado possuir todos os requisitos de um Estado, não tem reconhecimento internacional da Sérvia. Alguns países acompanham a Sérvia e não o reconheceram, porém outros países reconheceram a independência do Kosovo.

Presentes os requisitos, decorrem imediatamente os efeitos, quais sejam, a existência do Estado no cenário Internacional. Ocorre, é bom que fique claro, que não é o ato unilateral de reconhecimento que faz com que o Estado passe a existir. Para isto basta possuir os quatro elementos, visto acima.

Outros efeitos que surgem são: a proteção do Direito Internacional somado as participações nas reuniões diplomáticas com os demais Estados.

Num outro giro, tem-se o reconhecimento do Governo. Faz-se mister o reconhecimento deste quando este ascende ao poder pelas vias contrárias as normas constitucionais do próprio Estado. Exemplo palpitante é Honduras.

Para que o Governo seja reconhecido é necessário demonstrar alguns requisitos, como: o controle da máquina administrativa, ou seja, demonstração do real domínio sobre o território; o cumprimento das obrigações internacionais, este de suprema relevância; aparecer conforme o Direito Internacional, sendo vedado o aparecimento por imposição de outro Estado e, por fim, possuir democracia[i].

Daí surge duas teorias para explicar o reconhecimento de um governo. A primeira a doutrina Tobar, a qual propõe que a comunidade internacional se recusasse a reconhecer qualquer governo instituído por vias não-constitucionais, até que o mesmo comprovasse a aprovação popular. A outra, a doutrina Estrada, advoga a tese de que pelos princípios da não intervenção e da soberania, nenhum Estado deve emitir juízo de valor sobre o Governo de outro. Se, na visão do Estado, o governo instituído atende às reclamações populares, ele deve manter seus contatos e relações diplomáticas, caso contrário, deve cortar relações[ii].

Os efeitos que decorrem do reconhecimento de um governo são estabelecimento de relações diplomáticas; Imunidade de jurisdição: os Estados são considerados soberanos; a capacidade para demandar em tribunal estrangeiro e por fim a admissão da validade das leis e dos atos do governo.

Classificam-se às formas de reconhecimento em expresso e tácito e individual ou coletiva.

2.2 - DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ESTADOS E SUA RESTRIÇÃO

Visto como o Estado adquire personalidade, capacidade, como se compõe, bem como sua forma de reconhecimento, passa-se a analisar os direitos que lhe são assegurados. São eles, diante mão: Soberania, este requisito e direito fundamental; Independência, aspecto político, diferente do sociológico, econômico; Igualdade Jurídica, entendida como igualdade formal; Direito de Defesa e por fim a autodeterminação dos povos[iii].

Ocorre que, como já foi abordado acima, quem possui personalidade possui a aptidão para adquirir direitos e deveres. São, portanto, deveres dos Estados: respeitar os direitos dos demais; cumprir os tratados (os quais devem ser públicos), sendo fator essencial para a manutenção da ordem; dever de não intervenção e o dever de não utilizar a força como legítima defesa, e sim, solucionar os conflitos com base no princípio da Solução pacífica dos Conflitos.

Nesse diapasão, diante da convivência dos sujeitos da Sociedade Internacional, sobretudo com a supremacia de alguns sobre outros, tornou-se preciso limitar os direitos dos membros envolvidos. Assim, encontra-se a imunidade de jurisdição; a Imunidade de Chefe de Estado e de Governo, por exemplo, do presidente do Sudão. Abrange o chefe, a família e sua comitiva; a Imunidade diplomática; a imunidade diplomática, preservando a inviolabilidade daqueles que fazem parte de uma missão diplomática (do embaixador ao 3º secretário), não podendo, porquanto o Estado obrigar a testemunhar.

Ademais, observa-se que o Embaixador, representante do Estado, tem todas as garantias; diferente do Cônsul, representante do Estado na área de negócios, que só será imune por atos que dizem respeito à atividade funcional. Assim sendo, os dois serão julgados no seu Estado de origem, salvo se o Estado não renunciou da imunidade. Os Diplomatas possuem imunidade na esfera civil e criminal, bem como possui isenção fiscal nos impostos diretos, contudo paga os impostos indiretos.

2.3 – INTERVENÇÃO

A Intervenção constitui a limitação da soberania de um Estado, por que seu território foi ocupado por uma força estrangeira. No preciso conceito de Celso de Melo “a intervenção ocorre quando um Estado ou grupo de Estados interfere para impor a sua vontade, nos assuntos internos ou externos de um outro Estado soberano ou independente, com o qual existem relações pacíficas, e o seu consentimento, com a finalidade de manter ou alterar o Estado de coisas[iv]”.

Há divergência quanto a legalidade da intervenção. Uns advogam que a intervenção é terminantemente proibida em qualquer caso; outros, e cito aqui o Brasil, defende que a intervenção é possível, desde que possua motivos legítimos e esteja chancelado pela ONU.

São duas as formas de intervenção a individual e a coletiva. Aquela ocorre quando um país interfere na vida de outro, com o aval ou não da ONU. Esta, por sua vez, surge das coalisões, das forças de paz, os conhecidos “capacetes azuis” da ONU.

São, também, várias às justificativas de intervenções. Ocorrem em intervenções humanitárias (a mais plausível); da intervenção em guerra civil, sendo que nenhuma intervenção sob esse fundamento é justificável, tendo em vista o princípio da autodeterminação dos povos e no princípio da não-intervenção; outra possibilidade é a contra intervenção, fundada no exercício da legítima defesa e por fim justificativa com fulcro no direito de ingerência, esta sim, intervenção positiva, ocorrendo em casos de catástrofes, como Tsunami na Indonésia.

3.0 – CONCLUSÃO

Observa-se, por todo o exposto, que o presente resumo esquemático visa dar seguimento ao estudo da matéria Direito Internacional Público.

Assim, pode-se observar que o estudo do segundo crédito enfatizou o estudo do principal sujeito da Sociedade Internacional, qual seja, o Estado, mormente a sua personalidade, capacidade, seus elementos de composição, a forma de reconhecimento, bem como de seu governo, os efeitos desse reconhecimento, as formas, seus direitos e deveres, além de suas limitações e a possível intervenção de um Estado em outro.

Nota-se, por fim, críticas a alguns entendimentos doutrinários que precisam ser repensados para melhor absorção da matéria.



[i] Este requisito a meu ver não é essencial. Analisando os outros requisitos observar-se que há uma tendência a respeitar a ordem constitucional do Estado. Então surge a pergunta. Se um Estado possui em sua Constituição regime político diverso da democracia, não deve ser reconhecido? Nota-se, portanto, que tal requisito é falho e merece respeito à vontade livre do povo. Se este legitima um regime político diverso da democracia, por entender melhor para reger a sociedade em que vive, esta deve ser seguida.

[ii] Não há prevalência de doutrina. Contudo sob uma análise crítica e apurada sobre o tema nota-se que se trata de duas teorias diametralmente opostas, em que a doutrina Tobar defende idéias de países menos desenvolvidos, portanto, não intervencionistas e a Estrada, por outro lado, buscam legitimar condutas de países mais poderosos intervencionistas.

[iii] A Carta da OEA traz, explicitamente, quais seriam os direitos dos Estados, a saber: a) Igualdade Jurídica; b) Existência Política; c) Proteger e defender sua existência (legítima defesa, para a ONU); d) Exercer a jurisdição; e) Direito ao desenvolvimento e f) Inviolabilidade ao território.

[iv] Mello, Celso. Direito Internacional Privado, p. 492.

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